Geografia, para quê?

Por que a Geografia?

 

A Geografia, por tantas vezes esquecidas ou simplesmente abominada, mostra hoje razões de possibilidades variadas dentro das salas de aula.

     Como em uma citação de Yves Lacoste: “ A Geografia serve antes de mais nada para fazer a Guerra”, foi utilizada muitas vezes com essa intenção, sobretudo, durante a ditadura militar que aplacou o Brasil por duas décadas. Todavia, a ciência maçante do Decorar, reaparece como uma forma de compreensão dos espaços habitados ou não.

     Desde sua formação como ciência institucionalizada, ainda no século XIX, com Friederich Ratzel, a Geografia demonstra poder àqueles e àquelas que dela desfrutam, sim, poder, conceito máximo de território tão amplamente analisado por nós, Geógrafos e professores de Geografia.      Pensemos, decoremos, relutemos. A ciência do espaço tem potencial infinito dentro do contexto mundial atual. É ela, aquela que resenha a compreensão e designação dos espaços, dos seres, das pessoas, animais, vegetais, minerais, religiões, endemias, epidemias, medicina, culinária, cultura, enfim, a infinidade de atitudes que se estabeleçam dentro de qualquer espaço e fora dele, pois mesmo fora, há um espaço a ser analisado!

     As variáveis da Nova Geografia trazem consigo a possibilidade de interpretação de fatos nunca antes imaginados e / ou negados por ela mesma, ou seja, por aqueles e aquelas que a compreendiam e tentavam doutrina-la em direções diversas, que não fossem àquelas de demonstração de análise e compreensão, pelo menos não para a grande massa.

     A docência, inúmeras vezes, faz-nos refletir sobre aquilo que aprendemos e utilizamos. O estar em sala de aula, em lidar, ensinar e aprender com as educandas e educandos, nos trás a possibilidade de refletirmos sobre as teorias dessa ciência, tão amplamente analisadas na academia, mas que para nada servem se não aplicadas às questões solicitadas.

     Compreender os espaços naturais, construídos, preservados, conservados são partes fundamentais da intenção máxima dessa ciência. Porém, buscar a compreensão e interpretação das relações que se estabelecem dentro desses perímetros são necessários e, quem sabe, vitais à preservação do olhar geográfico sobre o mundo e, principalmente, sobre nós mesmos e nossas convicções.

     As relações culturais estabelecidas entre os variados povos, as imigrações, as emigração, as migrações fazem com que as culturais diversas acabem por estabelecerem em outros pontos que não aqueles aos quais surgiram, muitas vezes buscando formas de sobrevivência aos mesmos, sofrendo adaptações locais motivados quem sabe, pelos aspectos naturais, sociais ou econômicos daqueles que propagam sua própria cultura.

     Interligar a Geografia às demais ciências é um fator de expressão cognitiva daquele e daquela que se utiliza dela. Conseguir, em seu íntimo buscar a reflexão, com o intuito pré definido da ação sobre a mesma, no sentido de (co) ligar as ciências variadas é um desafio que educadores e educadoras atuais tem que perpassar e, além disso, conquistar em sua construção de conhecimento, lembrando sempre, que o processo não destinasse somente aos educandos e educandas, mas também a nós.

     Demonstrar em sala de aula essa relação é a própria força de ação tão sonhada por muitos teóricos que acreditaram e crêem em uma nova educação para todos e todas, em uma educação que possibilite não somente o já construído, mas que seja construído em um cotidiano, em uma nova perspectiva, em um dia-a-dia.

     Entender que a Biologia é tão Geográfica quanto a Medicina, nos remete a conceber as relações expressas entre elas. Compreender as funções dos seres microscópicos agindo na decomposição das folhas e caules das árvores, por exemplo, nos remete a pensar na biomassa que possibilita a manutenção das florestas, que formam os Biomas naturais, sem os quais nossa sobrevivência neste planeta não seria possível, ou ainda, analisar a expansão espacial de uma epidemia, buscando formas de controle, entendendo a dinâmica da natureza no controle das pragas naturais, que também têm sua função, auxiliando a Medicina em seus campos de estudo, são formas de prestar serviços não só às teorias, mas ao planeta.

     É, hoje, necessário também, buscarmos formas de representação significativa dessa ciência nas salas de aula. Para tanto, devemos nos conscientizar da importância da mesma para os educandos e educandas, não somente no sentido de transmitirmos conhecimentos básicos como localização, orientação, funções de desenvolvimento da vida no planeta, ou ainda, análise e interpretação de mapas. Necessitamos (re) buscar as alternativas possíveis de utilização da Geografia, precisamos elevar nossos pensamentos ao sentido de proporcionar àqueles e àquelas aos quais nos escutam e falam conosco todos os dias, formas de interpretar e compreender os espaços mundiais, as formas como as representações e simbologias criadas têm papel importante na sociedade em que nos inserimos.

     Necessitamos saber compreender e refletir a prática docente sob uma forma desfragmentada, buscando em campos diversas explicações para um mesmo fato e fenômeno.

     Em vivência podemos abordar o sentido da sacralidade dos lugares, do profano, do impenetrável, das premissas que os grupos, guetos, clãs criam para si, para suas vivências e sobrevivências em um espaço desigual e amoral como o nosso. Precisamos conceber e fazer, através da reflexão, com que educandos e educandas construam um espaço reflexivo em seu conhecimento a respeito da percepção, do conteúdo enigmático pichado nos muros, nas paredes, no que simboliza a esquina, a parada de ônibus, as relações estabelecidas pela conversa no canto da rua, nas horas de lazer, nos passeios que não ocorrem devido a falta de recursos financeiros, no que o pastor disse, na cruz que vi na Igreja, no despacho da encruzilhada.

 

Fonte: João Francisco da Costa, in A prática em sla de aula: a Geografia, uma ciência possível. Canoas, 2008.